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Escrita Criativa / Mais do que devia


 Entendidos





“– ... Falaste mais do que devias.

 Apenas disse a verdade. Aliás, até li sobre uns estudos realizados sobre isso, e sabes que é verdade que todos sentimos isto... – Abel acabava de ter mais uma das suas conversas com Flávia, sua namorada. Desta vez, como muitas outras, tudo começou quando uma mulher vistosa passou por entre as mesas de café dispostas na esplanada onde se tinham instalado para disfrutar de mais um fim de tarde de Verão.

***

Ah, que boa cerveja! 


Olhou para o prato com tremoços, eternos aliados de uma boa, encorpada e refrescante cerveja. Tirou um, e descascou enquanto o mantinha pressionado contra os dentes. O sabor salgado e a textura ajudaram a evidenciar o prazer da cerveja que tinha acabado de beber.

 O João e a Inês foram hoje a Lisboa... Dizem que correu tudo bem. – Flávia mantinha-se constantemente ligada aos seus gadgets, sabendo tudo o que ocorria com os casais amigos.

Abel apercebeu-se das reticências; não era uma pausa, era um ligeiro prolongar da frase, quase pausa, certamente com intenção de criar ambiguidade na interpretação. Abel apercebeu-se deste tipo de jogo ainda cedo na relação; não o gostava de jogar, mas sabia que era assim que funcionava.

– Ah sim? Ainda bem. Parecem ser um casal feliz, não é?

Flávia apercebera-se do tom de provocação; não que desgostasse de estar sentada numa esplanada ou de comer tremoços e beber cerveja, apenas desgostava de não estar onde poderia estar. Saber das aventuras das amigas que tinham viajado fazia-a retorcer por dentro.

 Pois são! Eles saem, vão a todo o lado! Todos os fins de semanas, as minhas amigas fazem actividades com os seus namorados, e nós damos uma volta e pouco mais.

Pronto, lá vem ela com a mesma merda...– E todas elas fazem isso semanalmente, ou há uma delas que todas as semanas faz qualquer coisa? Sabes que é diferente. Apesar de dar a percepção de que todas elas o fazem. – O tom de voz de Abel era inabalável e suave, e contrastava com o tom interior, ríspido e violento. Efeitos da educação.

 Não me venhas com desculpas, podiamos ter aproveitado este fim de semana para fazer qualquer coisa.

Qualquer coisa...adoro o quão vagas conseguem ser. Até mete nojo. – Já te perguntaste porque é que os fins de semana são para descansar? Podiamos ter saido, mas estava cansado. Sabes que sim, e disse-te para saires com as tuas amigas.

Ai pá! Que raio...este palerma não entende algo de tão óbvio? – Não vês que prefiro estar a teu lado, a acompanhar-te e a ajudar-te? Companheirismo, diz-te alguma coisa?

 Amén!

 Hum?

 Amén!

 Ó Abel, não comeces a fugir à conversa.

 Amén!

 És impossível, sabes? Estou farta disto... – Passou a mão pelo cabelo, sentou-se e começou a fazer qualquer coisa com o seu tablet, com ar aborrecido e amuado. Coisas de adulto.

 Olha, e esta semana, sempre resolveste a situação lá na empresa? – Tem de ser como com as crianças, dar-lhes um fio por onde pegar a ver se esquecem que estavam a chorar.

 Ai, não te contei? Pois olha, aquilo foi demais. Sabes a... – Flávia rapidamente se embrenhou a contar toda a história com forte avidês, focando-se no que alguns pareciam não conseguir fazer e que ela rapidamente resolveu. Coisas de mulher.

Enquanto ouvia Flávia – e ouvia-a mesmo – observava o ambiente em sua volta. Alguns casais com pequenas ternuras, alguns solteiros, um par de pessoas arrastadas na mesa já habituadas a nada fazer e... O seu olhar foi atravessado por um espécime feminino de elevada qualidade: pernas altas, saia rodada, mesmo como as japonesas do Hentai, saltos altos, cabelos soltos, e uma mescla de castanho escuro com madeixas mais claras, subtilmente jogadas. Um casaco de ganga, uma camisa  de alças com um leve e esbatido tom de rosa, com o peito bem à mostra: implantes. Veio-lhe uma súbita imagem de ela deitada à sua frente, apenas a parte superior do seu tronco: cabeça, seios e tronco, retorcidos pelo prazer e um suave som de gemido. A imagem durou um décimo de segundo, sendo rapidamente reprimido por Abel. Toda esta processo demorou uns cinco segundos, tempo mais do que suficiente para Flávia notar que algo prendera a  atenção de Abel.

 Vai lá ter com ela... Se a desejas assim tanto.

Abel apercebeu-se que havia feito asneira, a sua vista panorâmica concentrara-se sobre o inimigo número um de uma mulher: outra mulher.

 Oh, não comeces. O que queres que faça, diz lá? Que não olhe? Olha bem para ela, culpas-me por olhar para tal monumento?

Seu grande parvo, não olhas tu assim para mim. Olhas para aquela vaca que tem umas pernas altas e ficas todo babado. É tudo a mesma merda, são todos iguais. – Parece que queres alguma coisa dela, não te chega olhar uma vez só por um bocado, tens de ficar colado, feito um parvo?

 Colado? Olhei uns segundos! Epá, sempre a mesma coisa...Já sabes o que te vou dizer, já sei o que me vais dizer, podemos evitar esta dicussão?

 Não! Podes é ser honesto e dizer a verdade: são as outras que tu realmente queres, não é? Queres ir lá, tocar-lhes e foder. Aposto contigo, são todos uns porcos! Não a imaginaste contigo, não? Vai lá meter a única cabeça com a qual vocês pensam.

 Oh, meu Deus... Que queres que te diga, que adoro olhar para mulheres? Pois adoro. Sabe-me muito bem; aliás, nem sei porquê, mas faz-me sentir mesmo bem. E sim, por acaso veio-me uma imagem de uma situação dessas.

Ficou horrorizada. Já teve outros namorados, e todos eles tinham sido discretos o suficiente para a conseguir iludir quanto a esta condição natural do homem: de ter prazer ao ver uma mulher. - És um porco! Não aguento isto. Olha, acaba de uma vez com esta fachada que tu chamas de namoro, e vai lá ter com elas.

Calaram-se ambos, sabiam que estas conversas eram dominadas por tudo menos por razão. Ambos vítimas da sua condição humana, Abel sentia-se mal por não conseguir controlar tais momentos de que era acusado, e zangado por Flávia não o perdoar por tal. Amava-a... e ela não acreditava. Por seu lado, Flávia sentia-se humilhada e triste; abandonada, rejeitada, trocada e ridicularizada perante uma outra mulher que sentia ser melhor que ela. Sentia..

 Amor, desculpa-me. Todos os homens são assim, tu sabes...Não fiz por mal; há quem realmente faça pior.

– Não importa...Falaste mais do que devias.”

1 comentário:

  1. De certeza que Flávia ama Abel.
    Mas Abel terá que se colocar na posição de Flávia, pois certamente não é fácil para ela ser confrontada com tamanha sinceridade, o que lhe causa certa insegurança...

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