Noites de Natal
“ “Existirá sempre esperança para quem acredita. Continuarão
com a sua vida, convictos de que um dia tudo será diferente.”
Fechou o livro assim que o acabou; de uma forma pesada,
vagarosa, pensativa, sentida... Gostara do que lera, mas não tanto do fim. Há tantas possibilidades...
Era madrugada do dia 25 de Dezembro de 2011. Encontrava-se
encostado no seu sofá, com a lareira acesa; uma luz dourada tépida enchia a
sala de estar. A seu lado, um belo copo de vinho maduro encorpado, um prato com
algumas fatias de queijo serra da estrela, e umas fatias de pão-de-ló
acompanhavam a sua entrada pela noite dentro. Os pés escaldavam com o calor da
lareira e sabia que ia ficar com
frieiras; sabia-o, mas ainda assim
mantinha-os lá. Era um típico serão natalício. Com tudo, menos companhia. Isolara-se há alguns anos, não que fosse
anti-social ou que visse na sociedade
alguma forma de injustiça que a tornasse não merecedora da sua
companhia. Mas estava sozinho, confortável em sua casa, com o som da chuva e
frio a adoçar os ouvidos e a aquecer o coração.
Lembrava-se dos seus primeiros natais, do fascínio das
prendas, da curiosidade que sentira pelo Pai-Natal – o tal homem que sabia o
que ele fazia, que o observava a toda a hora, à procura dos seus erros e más
atitudes. Na altura, chegara a perguntar-se como é que ele conseguia manter
toda a gente vigiada. Os pais justificaram-se, mas não acreditara. Só encontrou
uma explicação razoável quando soube que tinha a ajuda de gnomos e duendes. Tinha de ser trabalho de equipa.
No seu sofá, sorrira da sua inocência, e perguntara-se o
quanto ainda seria.
Decidiu ligar a televisão. Não passou muito tempo e decidiu
desligá-la. Já tinha lido livros, estava
de barriga cheia, mas ... não valia a pena dormir já. Aborrecido, forçou-se
a ver um filme.
Na primeira tentativa, passava uma história de amor, com enlaces de Natal e de
magia, onde tudo acabaria bem. Ficou mais aborrecido. A solidão dava-lhe um
gosto amargo, ainda mais quando reforçado por este tipo de filmes. Mudou de
canal. Desta vez, era um filme de acção e comédia, com dragões, miúdos,
vikings, tudo em imagem virtual. Sorriu; gostava da forma como os trejeitos e
traços dos desenhos exacerbavam a figura típica dos Vikings. Aquelas bocarras
desdentadas, barbas farfalhudas e corpos avolumados, tudo numa figura
trapalhona, mas corajosa! Sonhos de miúdo.
Por momentos, esquecera-se de onde estava; sentia apenas
bem-estar.
As noites assim eram comuns, mas no Natal havia uma aura
diferente. Ouvia as crianças das famílias vizinhas a brincar com as novas
adições às suas colecções de brinquedos, o ranger de camas de casais a terem
relações sexuais. O silêncio reinava, mas o pouco barulho que se ouvia fazia
despertar nele desejos de vida.
Abrira o livro na última página e relera o que não gostara.
Muitas das vezes, gostar de algo é uma questão de hábito e treino.
“Existirá sempre esperança para quem acredita. Continuarão
com a sua vida, convictos de que um dia tudo será diferente.”
Debruçou-se com as palavras, projectou na sua vida, e
encontrou uma resposta. Marcou um número no telefone. Enquanto ouvia
o som do toque, o seu coração começou a bater mais forte – palpitações de emoção.
Subitamente, o toque terminara, e um som de fundo surgira,
com um longo tempo de resposta. Ouvia-se
um som, mas via uma boca. Lábios vermelhos, pele branca, cabelos longos e escuros; imagens da sua
memória. A voz respondera suavamente, com o som da sua respiração à mistura:
- Olá.
Hoje será diferente, pensou.
- Feliz Natal, Isabel.
A voz sorriu.”
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