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Escrita Criativa / A valsa


A valsa

A loja era pequena, um cubículo, onde cadeiras e espelhos estavam dispostos simetricamente, acompanhados por um belo sofá encostado à entrada.

Lá sentado, um velho, um tanto gordo, de cabelos brancos compridos e calvo, esperava que alguém entrasse. Desejava servir. Tinha o seu serviço estabelecido há quarenta anos e era conhecido por Sr. António, o Corta-Matos. Para quem passasse perto da loja, a grande vitrine mostrava um interior rico em velharias, mas desolado, onde o tempo parara. Portugal à antiga.

-Sr. António, bom dia! Vejo que anda folgado.

A entrada na loja foi denunciada pelo tilintar dos ferros suspensos perto da porta.

- Henrique! Bons olhos te vejam. Já me perguntava se a tua barba nunca mais crescia. São os teus pêlos e cabelos que me dão de comer.

- Acompanhados com um bom vinho? Sr. António, sempre o mesmo falinhas mansas. Se fosse só pelos meus,  bem que passava fome.

- Verdade, verdade – Riu-se. – Sente-se!

Começava sempre da mesma forma. A dança do corte, era assim que o Sr. António entendia o que fazia. Quase que ouvia o som de uma valsa enquanto cortava. Primeiro passo: violinos, violencelos, maestro... Começava.

Colocava a mão no ombro de Henrique para o alertar de que ia começar; projectava a bata branca em torno e por cima da sua cabeça – um gesto brusco, mas com elegância, que preparava o cliente. Atava a gola e passava as mãos no tecido para o endireitar. Henrique seguia os passos,  e olhava-se ao espelho à procura de imperfeições; ou mais. Queria acreditar que ainda era um jovem.

A imagem de marca do Sr. António era o constante trautear que acompanhava o corte de cabelo ou barba. Hoje, eram ambos.

Remexia a espuma de barbear  com o pincel, enquanto procurava as linhas de corte na barba, e na cabeça de Henrique.

Não a posso cortar tão rasa, tenho de o trazer cá mais vezes. Sorria para Henrique, que estava sentado e recostado à bela e oponente cadeira.

Tenho de lhe pedir que me rase mais a barba. Não posso passar aqui todas as semanas. Henrique sorria em retorno, com os dentes amarelados e desgastados a surgir por entre a barba farfalhuda.

Dançavam, habituados às suas disputas silenciosas.

As passagens da lâmina sucederam-se, com a barba a sumir a cada passagem. Quando a lâmina se desgastava, puxava do velho cinto enrugado de cabedal para a afiar.

- Um bocado mais. – pedia Henrique

Um bocado menos, pensava António.

Depois veio o cabelo. Ligeiramente calvo, tentava disfarçar a troça do destino com um cabelo curto, muito raso, mas comprido o suficiente para pentear com o seu pente castanho. A dança acabava com Henrique agradado, de gabardine e chapeú na mão. Já podia mostrar com orgulho a sua cabeça redonda; pelo menos por alguns dias.

- Bom, Henrique, apareça mais vezes. Sabe que aprecio a sua companhia.

- António... Só me quer pelo cabelo.

- Disparate! – Sorriram.

Acabou como começou, com o tilintar dos ferros suspensos.

António sentou-se no seu sofá e esperou, no seu Portugal à antiga. 

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