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Escrita Criativa / Batalhas Modernas


Batalhas Modernas



O suor escorria pelos nossos corpos, descobrindo vias por onde nos refrescar, agora que já tínhamos falhado. O ar exalado saía de forma pesada, forçada; o inspirado entrava atrapalhado. A troca de olhares não era correspondida com trocas de palavras; havia apenas cansaço para uns, exaustão para outros, desilusão para todos. A vontade que nos impelia desvaneceu-se.



***



A porta abriu vagarosamente e por ela entrou o nosso treinador. Assim que entrou, entrou algo mais com ele.Tinha ar de quem não se dobrava, não vergava: era duro. O seu peito albergava mais do que um coração: albergava toda uma vida de sacrifício inglório. “Nunca desistir” era o seu lema. Mais fácil dito do que feito, e ele havia feito.


A cadeira tinha sido posta no meio do balneário com o fim de haver uma conversa, fim esse que eu esperava ter sido outro.


Passamos toda a vida a tentar ser quem não somos; vivemos com a percepção clara de que a forma que tomamos não é a derradeira expressão do nosso ser; vemos os nossos objectivos sempre tão perto, mas longe o suficiente para nos lembrar do que ainda falta e para nos ajoelhar perante o fardo de tal responsabilidade. Não é para todos, ser a mudança que queremos ver no mundo.


Hoje não foi um bom dia. Alguns dizem que hão-de vir mais oportunidades, mas não vão. Podia relativizar a perda desta oportunidade, que alguém tinha de perder, e que esse alguém fomos nós. Mas não vale a pena. O sabor da derrota é demasiado amargo.


Suspiro com a perfeita noção de que pouca força tenho para voltar a inspirar e relembro-me...


***
Os treinos eram trabalhados com paixão pelo nosso treinador, orientados na melhoria do nosso desempenho físico, técnico, táctico e mental. Ele acompanha-nos nesta jornada desde crianças, desde as camadas jovens, quando ainda sabíamos pouco do desporto. Éramos arrogantes, presunçosos, preguiçosos, tudo características típicas de jovens sobre-confiantes. Com os jogos, aprendemos a ganhar e a perder; com cada derrota, alimentávamos a nossa ânsia de vitória; com cada vitória, cresciam os nossos objectivos. Na realidade, nunca aprendemos a perder. A derrota nunca era vista como definitiva, era vista como um passo necessário para a perfeição; perfeição essa que nos levaria à derradeira vitória.

A memória desvaneceu-se.  

***

Ali sentado, sem falar, pesava nele a mesma aura que em nós: a aura da derradeira derrota. A diferença? Ele já tinha vivido este momento diversas vezes. O discurso já estava preparado, mas nunca se habitou a ver caras de desilusão.

Sempre tive em boa estima o nosso treinador. A sua história traduz a experiência de muitas vitórias e derrotas. Sempre nos soube orientar. Em momentos de fraqueza, era a voz dele que ecoava em nós e nos encorajava. Na sua maioria, as palavras que nos dirigia eram duras, mas protegia-nos. Preocupava-se connosco, opinava para a resolução de problemas. Era um bom homem!

Mas não acredito em discursos de encorajamento. Falhámos. No futuro, aplicaremos o nosso tempo noutras actividades, até encontrarmos uma determinada tarefa em que nos destacamos. Somos assim, competitivos por natureza, mesmo quando assumimos um papel de entreajuda. Há líderes naturais, há pessoas que se destacam, e quem não se destaca fica frustrado por se relegar a um segundo plano, ou então nunca se apercebe que está nesse plano. “Perder prepara-nos para a vida”, alguns podem afirmar. Discurso de derrotado...Assumindo que alguma vez se ganha, sim, prepara; de outra forma, habitua-nos a assistir à  contemplação dos vitoriosos. Nunca importa quem perde, mas são os que perdem que ficam mais marcados.

Como jogador, sinto que desiludi; como equipa, sinto que falhámos, e sei que as suas palavras serão duras perante o nosso desempenho. Perder não está nos livros, e ser humilhado pior o é.

O silêncio antes da primeira palavra foi ensurdecedor. A ansiedade disparou, e fez-se ouvir lentamente.

“A ferida da derrota é profunda, o seu veneno difunde-se rapidamente e faz-nos duvidar de quem somos. Perdemos, mas não trocaria este momento por nada deste mundo. Parabéns. Há momentos em que não se ganha ou perde, apenas se partilha, e partilho convosco a dor da derrota, mas também o prazer da luta que demos.”

A intervenção deixou-me revoltado! Tinha de responder:

“Mas não há glória para os perdedores”.

À minha afirmação, vi-o fazer algo que não estava habituado: contraiu os músculos da cara de tal forma coordenada que desenhou um jeito facial  que não era comum - o treinador sorriu.

“Não me espero fazer compreender, nem espero que aceites o que disse, é apenas o que sinto.”

O que sinto... Não sei o que foi mais pesado, a derrota ou a aceitação da mesma pelo treinador.

“Descansem! Ainda são jovens: máquinas de combate, corpos fulgurantes de vida e energia, mentes enviesadas para a vitória... Mas há sempre alguém que perde. Um dia habituar-se-ão a isso.”

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