Curiosidades
"A caminho da escola para mais um
dia em cheio - com bolas de lodo ou sem elas -, viu uma rapariga triste junto
ao jardim de sua casa. Era Outono e algumas das suas árvores começavam a
murchar. Era algo que Califórnia tinha dificuldades em aceitar: pessoas tristes.
Sabia que era horrível alguém sentir-se assim;
ele próprio se sentira diversas vezes. Prontamente falou com a
rapariga.
- Olá! Desculpa incomodar, mas porque é que estás aqui sozinha?
Fugiste de alguém, partiste alguma coisa, alguém te feriu? É por isso que estás
triste?
- Ah? Não, a minha casa é aqui atrás... Estou triste porque estou a ver o meu jardim a murchar e não posso fazer nada a
esse respeito.
-O quê? – Olhou para o jardim a
procura de árvores queimadas, cortadas ou desfeitas. Mas tudo parecia bem. Viu
fortes roseiras com rosas fartas e belas, com delicados veludos vermelhos a
sair dos seus ramos. Olhou para ela. – Não percebo. O que é que está mal?
- Não vês estas folhas aqui no
chão? As árvores estão a murchar, a ficar
amareladas. Não gosto de as ver despidas, gosto de as trepar e sentir o calor
do verão encostada aos seus ramos, sentir o som da folhagem enquanto uma brisa
faz os ramos baloiçar.
Ficou perplexo, a rapariga falava
muito bem. Não estava habituado a ter conversas agradáveis a não ser com Rita. Mas nem eram conversas assim tão boas.
Gostava é de olhar para ela e sentir o seu cheiro adocicado.
- Sempre podes ajudar a
árvore! Imagina que ela não está a
murchar; imagina que as suas folhas estão verdes e que está novamente calor. Se
imaginares com muita força, pode ser que se torne realidade.
Obviamente nada aconteceu; ela
sorriu e agradeceu o comentário simpático. Não lhe disse, mas desejou de todo o
coração que fosse verdade. Ele sentiu-se estúpido: nem toda a gente é palerma como tu, Califórnia, o Borrado; tens de
crescer, um miúdo de 15 anos já devia ter responsabilidades: arranjar
raparigas, ter estilo, falar com os professores sobre assuntos interessantes.
Fazer alguma coisa. Eu só imagino...
Corou e despediu-se dela;
continuou o seu caminho para mais um dia de problemas na escola. Achou-a estranhamente
interessante e acabou por olhar para trás enquanto fazia o seu caminho. Ela lá
continuava a remexer nas folhas com a sua mão.
Na escola havia barulhos de
todos os lados, mas por algum motivo apercebeu-se de um rádio ligado. Passavam
notícias sobre engarrafamentos e sobre princesas da música "pop". Gostava muito das
princesas da "pop". Achava que elas eram pessoas fantásticas, que podiam ver o
que havia de especial na alma das pessoas. Que, no meio de uma multidão, seriam
capazes de olhar para Califórnia e
entender que ele era um rapaz especial. Mas na escola não era assim; as
raparigas eram estúpidas, só queriam saber dos rapazes mais badalados, e ele era
sempre deixado de parte.
Estava um dia de calor. Na sala
de aula, o cheiro a suor tornava o ar pestilento.
-Bem, que calor! Não se pode confiar nos boletins
metereológicos, como é possível darem céu muito nublado e temperaturas de 15 °C
e estar um tempo destes no dia seguinte? – A professora trouxe mais roupa do
que o normal para Verão, tinha sentido um ar frio matinal e sabia do boletim.
Sufocava com o calor.
-Ligue o alarme de incêndio, professora. Uma chuva vinha mesmo a calhar! – Os alunos não tinham problemas em
imaginar situações. Toda gente o desejava, mas ninguém o iria fazer; era uma
questão de princípios.
-Ridículo. Preste atenção em vez
de dizer barbaridades.
O calor agitava os alunos, que
agitavam a professora, o que em última instância tornava tudo mais difícil. As aulas, a
aprendizagem, todos ficavam a perder enquanto continuassem lá dentro.
- Califórnia, não resulta comigo.
– Miguel era grande amigo de Califórnia e, apesar de ridicularizar a sua
imaginação, dava-lhe o benefício da dúvida em algumas situações. Não custa nada acreditar, se imaginar com
força, vou ficar fresco. Nada acontecia, e até achava ter ficado com mais
calor - Tu e as tuas ideias... Ainda não sei o que fazes para que eu acredite em
ti.
Ligou-se o
alarme de incêndio. Tudo se passou muito rapidamente, mas cada momento pareceu demorar uma eternidade: a professora deu as costas ao quadro e fulminou todos os
alunos com um olhar rápido, à procura de um possível culpado. Todos estavam
sentados nas suas cadeiras, com a água a cair-lhes lentamente na cabeça. Viu caras de
surpresa e choque ao frio da água, que lentamente se transformaram em sorrisos e euforia. Enquanto o
dispersor enviava gotículas em todas as direcções, os miúdos levantaram-se,
alguns colocaram-se em cima da mesa e saltaram. Tudo lentamente. A
professora apressou-se a desligar o interruptor. No fim, havia nos miúdos um ar
de cumplicidade, como se tivessem partilhado um momento especial. Para a
professora, era apenas mais um motivo de requerimento. A organização escolar está cada vez pior, já nem fazem inspecções de
segurança!
-Vês, Miguel. Eu disse-te!”
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